Existem, um pouco por todo o mundo, numerosas manifestaçons da negaçom de direitos sofrida por tantos povos na história. Um par de notícias coincidentes no tempo na última semana fam-me reflectir em voz alta sobre umha das mais significativas, porque implica a negaçom radical do mais íntimo desses direitos: o direito à identidade.
As notícias a que fago referências som de diferentes origens. Umha, venezuelana, informou da decisom do governo desse país de restituir o nome indígena de umha grande cachoeira, com um quilómetro de altura, existente no sul da Venezuela. A tal queda de água ficou mundialmente conhecida com o nome do aviador norte-americano que, supostamente, teria sido o «descobridor» da mesma: Salto Ángel, tomando o apelido de quem a enxergou quando sobrevoava a zona na década de trinta do século passado.
Só que, como é habitual, o descobrimento nom era nem muito menos original. Na zona vivia (ainda vive) um povo indígena, os Penom, que já desde tempos imemoriais tinham baptizado a fervença com o nome de Kerepakupai-Meru; daí que Hugo Chávez, com toda a lógica, tenha proposto há só uns dias denominar assim, de maneira oficial, a que é umha das grandes atracçons turísticas do grande país americano.
Acho muito visual e significativa a imagem de um indivíduo que, sobrevoando umha zona a milhares de quilómetros do seu país, descobre um lugar habitado há séculos e decide como deve chamar-se, atribuindo-lhe o seu próprio apelido.
Enquanto o presidente Chávez fazia esse anúncio, favorável à recuperaçom da identidade originária dos povos da Venezuela, no Parlamento autónomo galego, o presidente da Autonomia fazia um apelo a um dos porta-vozes da oposiçom: «admitam que nos chamamos Galicia!». Dizia‑o quem, como tantos galegos carentes de auto-estima, barbariza o seu próprio apelido, inequivocamente galego, consoante a moda de acomodar o nosso património onomástico aos padrons fonéticos hispanos. Alguém lhe tem recomendado já umha adaptaçom completa e coerente que converta o seu apelido galego “Feijó” no correspondente mesetário “Frijolito”. Somamo-nos a esse pedido.
Ninguém pode negar que os apelidos, topónimos e todo o tipo de denominaçons e jeitos de falar caracterizadores do nosso milenar povo tenhem sido sistematicamente agredidos, ao ponto de conseguir a assimilaçom mental e material de um significativo sector da nossa sociedade. Isto foi possível, sobretodo, através da cooptaçom das elites dirigentes galegas, nas quais destaca o maior representante institucional desse submetimento na actualidade: o presidente da Junta da Galiza.
A verdade é que a agressom aos nomes próprios é umha constante nas conquistas verificadas em todo o planeta, jogando as potências europeias, como sabemos, um papel de destaque nessa história da infámia.
Fruto dessa realidade, no ámbito da lingüística existe umha disciplina específica dedicada ao estudo dos nomes atribuídos por uns povos a outros ou a eles próprios: é a chamada etnonímia, dentro da qual costuma diferenciar-se entre os autónimos, nomes auto-atribuídos por cada povo; e os exónimos, nomes resultantes da denonimaçom que um povo recebe por parte de outros, através da língua deles. Como tal, esse é um fenómeno natural decorrente do conhecimento, através da nossa própria língua, de umha outra realidade cultural.
Assim visto, as adaptaçons aos idiomas estrangeiros dos nomes de cidades, países e povos relevantes por qualquer motivo nada tenhem de criticável. É normal, por exemplo, que em galego-português podamos falar de Nova Iorque, Copenhaga ou Marrocos, adaptando ao nosso génio lingüístico nomes alheios ao mesmo.
No entanto, há umha vertente do fenómeno denominativo dos outros que sim fai claramente parte de um esquema vertical de imposiçom ideológica sobre umha colectividade dominada. A linha vermelha que separa a legítima denominaçom dos outros na nossa língua da ilegítima negaçom identitária dos mesmos, situa-se na imposiçom a esses povos de um nome diferente ao que eles próprios tenhem direito a dar-se.
Existem seguramente centenas, se nom milhares, de exemplos deste tipo de exónimo, ideologicamente marcados pola imposiçom. Nalguns casos, o desprezo que implicam é tam inocultável que se transparece da própria semántica do nome.
Assim, os noruegueses chamárom “lapons” (“farrapentos”) ao povo saami, e assim é ainda hoje maioritariamente conhecido esse povo sem Estado do norte da Europa. Da mesma forma, para todos nós é mais familiar o nome originalmente despectivo de “esquimó” (“comedor de carne”) do que o utilizado polo próprio povo inuit para se autodenominar. Um outro exemplo temo-lo em como, a partir do idioma e da mentalidade árabe, o povo norte-africano autodenominado amazigh ficou conhecido polo termo “berber”, que em árabe significa “balbuciante”, dado que era assim interpretada a sua forma de falar polos seus dominantes vizinhos.
Nem sempre o colonizador utilizou nomes abertamente despectivos para usurpar a identidade do colonizado. Os russos rebaptizárom como Chechénia umha naçom caucásica a partir do nome da primeira povoaçom dessa cultura com que mantivérom contacto, quando o nome auto-atribuído é o para nós desconhecido de “Ichkéria”. O Estado turco tem proibido historicamente ao povo curdo a utilizaçom do nome próprio, reduzindo‑o à assimilista etiqueta de “turcos das montanhas” e definindo em simultáneo a língua curda como «dialecto mal falado do turco».
A recuperaçom da própria identidade passa, em todos os casos referidos, pola reivindicaçom dos respectivos autónimos de cada povo, sem condicionantes nem imposiçons alheias, sempre tendenciosas e negadoras do outro. Os povos saami, inuit, amazigh, ichkério, curdo… incluso o povo indígena americano autodenominado Penom, todos eles sabem bem essa verdade e, quem nom a souber, está a caminho de sucumbir definitivamente ao domínio assimilista da correspondente potência dominante.
Núñez Feijó pujo em evidência há só uns dias como o poder simbólico e material de Espanha continua a manter o seu objectivo assimilista sobre a Galiza. Nom temos direito ao nosso nome próprio, o que o nosso povo se deu há tanto tempo que já os cronistas romanos deixárom testemunho de nos autodenominarmos “galegos”. Séculos de imposiçom criárom, no universo semántico espanhol, ideologicamente conotado polas ideias assimilistas, inúmeras acepçons despectivas para definir o nosso etnónimo. Ainda hoje, a ideologia dominante espanhola aspira incluso a que renunciemos a chamar-nos como sempre nos chamamos: Galiza.
Em definitivo, o estado da luita polo nome próprio da nossa naçom encarna o nosso estado de saúde como colectivo diferenciado realmente existente. Se alguém o duvida, que explique porque a teima de Núñez Feijó e do conjunto da oficilidade madrilena para que assumamos de vez o modo como eles sempre nos chamárom: Galicia.
Defender, recuperar e praticar “Galiza” é afirmarmos que este povo nom foi assimilado, que existe e reclama o direito à existência: o direito à independência.