Umha con­ver­sa com o pro­fes­sor Car­los Tai­bo no Madrid de esquer­da- Dia­rio Liberdade

Sex­ta, 08 Outu­bro 2010 02:00

081010_taibo2 Diá­rio Liber­da­de – Car­los Tai­bo é umha des­sas pes­soas que quan­do as conhe­ces achas que as conhe­ces de toda a vida.

Gran­de con­fe­ren­cis­ta, pus­sui umha voz pene­tran­te, pode­ro­sa, que logo te mer­gulha num des­ses wes­terns que cos­tu­má­va­mos ver na tele­vi­som públi­ca gale­ga. «Às vezes a tua voz lem­bra-me a da dobra­gem de Clint East­wood», brin­co. Car­los ri-se, e con­ta-me que um pri­mo dele foi duran­te mui­tos anos voz quo­ti­dia­na de rádio.

Para além de em pales­tras, apre­sen­taçons de livros ou corre­do­res uni­ver­si­tá­rios, é fácil topar Tai­bo na noi­te madri­le­na, a beber cer­ve­ja polos luga­res onde se mexe a esquer­da. Numha mesa do Patio Mara­vi­llas, na rua Pez; na anti­ga fábri­ca de taba­cos da glo­rie­ta de Emba­ja­do­res, majes­to­so cen­tro social, ocu­pa­do e auto­ge­ri­do; ou debruça­do ao bal­com do pub Marx Made­ra, enquan­to con­ver­sa deva­gar com algum ex-aluno.

O Car­los gos­ta de cer­ve­ja e gos­ta de con­ver­sa. E, com cer­te­za, os seus alu­nos tam­bém gos­tam dele, pois nom há noi­te em que nom seja cum­pri­men­ta­do com ale­gria por hete­ro­gé­neos jovens.

A con­ver­sa do Car­los é engenho­sa, brin­calho­na; inte­li­gen­te, diria.

Ape­sar de ter nas­ci­do em Madrid, rápi­do per­ce­bes que seu coraçom é de emi­gran­te. É sin­ge­lo com­pro­vá-lo. Fere-lo falan­do do povo gale­go e aginha começa a dei­tar sau­da­de polas veias. Sem­pre mos­tra gran­de entu­sias­mo ao falar da Gali­za, da sua cul­tu­ra, da lín­gua galego-portuguesa.

Fala um gale­go apu­ra­do, sal­ga­do, ele­gan­te. E é raro que na sua esper­ta pala­vra nom sur­ja umha das suas apai­xo­nan­tes tei­mas, Fer­nan­do Pessoa.

Diá­rio Liber­da­de – Que con­clu­sons tiras da gre­ve geral do pas­sa­do 29 de setem­bro con­tra as polí­ti­cas anti-ope­rá­rias do Governo espanhol?

Car­los Tai­bo – As cou­sas começam a des­per­tar entre umha par­te dos tra­balha­do­res. Nom falo ago­ra, cla­ro, das cúpu­las diri­gen­tes dos sin­di­ca­tos maio­ri­tá­rios, ali­cer­ce fun­da­men­tal da maio­ria das polí­ti­cas que os gover­nos estám a des­en­vol­ver e inca­pa­zes de enxer­gar outro hori­zon­te que nom o rela­ti­vo à recons­truçom de fití­cios esta­dos do bem-estar.

DL – Fren­te às medi­das do PSOE-FMI para sair da cri­se, que medi­das propós?

A defe­sa de direi­tos ele­men­ta­res, pri­mei­ro. Depois, a cons­truçom de movi­men­tos de base que pra­ti­quem a auto­ges­tom e, como ela, ponham en ques­tom a ordem vigen­te do tra­balho assa­la­ria­do e da mer­ca­do­ria. Para além do ante­rior, e no Nor­te des­en­vol­vi­do, um decres­ci­men­to que recons­trua os equi­lí­brios com a Natureza.

DL – Qual a tua visom do Bra­sil pós-Lula?

Sou mui­to céti­co no que diz res­pei­to ao sen­ti­do geral das polí­ti­cas de Lula, que o mais que demons­trou foi capa­ci­da­de para gerir de manei­ra mais civi­li­za­da a hera­nça que rece­beu dos seus ante­ces­so­res. Mas o fac­to de Lula nom rom­per nenhum dos ele­men­tos da lógi­ca do capi­ta­lis­mo impe­ran­te obri­ga a con­cluir que o seu pro­je­to tem ter­mi­na­do com mui­tas espe­ra­nças de trans­for­maçons reais no con­jun­to da Amé­ri­ca Lati­na: a loco­mo­ti­va nom moveu o trem. Lula é, aliás, um ele­men­to deci­si­vo para a tran­qui­li­da­de dos Esta­dos Uni­dos na regiom.

DL – Há uns meses Alfon­so Sas­tre fazia umha pro­pos­ta de igual­da­de para os dife­ren­tes povos ibé­ri­cos. Sen­do eu gale­ga de naçom e tu gale­go de coraçom, que futu­ro enxer­gas para este cár­ce­re de povos cha­ma­do Espanha?

Nom há moti­vos para oti­mis­mos. O Esta­do espanhol pare­ce estri­ta­men­te fecha­do ante qual­quer deman­da de auto­de­ter­mi­naçom, e nes­sa tare­fa rece­be os apoios inter­na­cio­nais corres­pon­den­tes. Cum­pre espe­rar, mes­mo assim, que uma muda­nça do movi­men­to sobe­ra­nis­ta em Eus­kal Herria, em pro­vei­to duma desobe­diên­cia civil radi­cal modi­fi­que algumha das regras de jogo e dei­xe as cou­sas cla­ras no que res­pei­ta à nega­ti­va das auto­ri­da­des espanho­las a reconhe­cer qual­quer hori­zon­te de autodeterminaçom.

081010_taibo1DL – Sob a legen­da “A que­da do impé­rio”, publi­cas os teus arti­gos em exclu­si­va para o mun­do lusó­fono no Diá­rio Liber­da­de. Con­si­de­ras pró­xi­ma a que­da do impé­rio dos EUA?

Na reali­da­de tra­balho pola que­da dos impé­rios, em plu­ral. É um boca­do ingé­nuo afir­mar que o impé­rio nor­te-ame­ri­cano vai vir abai­xo rapi­da­men­te. Mas nom fal­tam pro­ble­mas gra­ves no seu caminho: entre eles a cri­se social inter­na dos EUA, as impre­vis­tas con­se­qüên­cias do caos gera­do pela glo­ba­li­zaçom capi­ta­lis­ta, os efei­tos de pre­po­tên­cia dos gover­nan­tes esta­du­ni­den­ses, as pos­si­bi­li­da­des que se abrem da mao de con­co­rren­tes exter­nos e, enfim, a apa­riçom de movi­men­tos de con­tes­taçom cada vez mais fortes.

DL – O Diá­rio Liber­da­de repre­sen­ta um exem­plo prá­ti­co das faci­li­da­des que tem a Gali­za para se rein­te­grar no seu ámbi­to cul­tu­ral natu­ral, o espaço inter­na­cio­nal lusó­fono. Que opi­niom tés ao respeito?

Nom é ape­nas que nom exis­ta outro hori­zon­te: e que é o caminho natu­ral de rein­te­graçom da nos­sa lín­gua num espaço que nun­ca deveu dei­xar. Se na Cata­lunha e em Eus­kal Herria há bur­gue­sias nacio­nais que defen­dem as lín­guas corres­pon­den­tes, nós temos, no ámbi­to lin­güís­ti­co, o mun­do lusó­fono. Nom é pouco.

DL – Aca­bas­te de publi­car um mag­ní­fi­co ensaio sobre Pes­soa e sabe­mos do teu gran­de amor pola lite­ra­tu­ra. Que obra nos recomendas?

Com cer­te­za, O livro do des­as­sos­se­go.

DL – Quais som os teus livros favo­ri­tos da lite­ra­tu­ra gale­ga, por­tu­gue­sa e bra­si­lei­ra? E da lite­ra­tu­ra mundial?

Vai a lis­ta: A esmor­ga de Eduar­do Blan­co Amor, a poe­sia intei­ra de Luís Pimen­tel, Os Maias de Eça de Quei­roz, A que­da de um anjo de Cami­lo Cas­te­lo Bran­co, os Con­tos da mon­tanha de Miguel Tor­ga, o inevi­tá­vel Gran­de Ser­tão-Vere­das de João Gui­ma­rães Rosa e A casa dos Budas dito­sos de João Ubal­do Ribei­ro. Mais Pes­soa tudo.

DL – Que livro estás a ler agora?

Leio Eli­seu Reclus, um geó­gra­fo anar­quis­ta fran­cês do XIX. E estou a rever a obra de Tolstoi.

DL – E já para con­cluir­mos esta entre­vis­ta, podes reco­men­dar-nos uns filmes?

Gos­tei mui­to sem­pre dos fil­mes de Ken Loach. Terra e liber­da­de, sem ir mais longe.

Fotos: Diá­rio Liberdade.

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